Uma das melhores
séries para televisão feitas na Europa apareceu, inesperadamente, este ano em
forma de social-realismo, “social-reality-show”.
Depois do livro e
de um filme com o mesmo nome, pouco mais se esperava de “Gomorra” (Sky Atlantic).
A história contada a partir do centro de um “furacão”, chamado máfia
napolitana, com vista para o gueto, onde são reveladas todas as interacções com
os meios envolventes: social (para além das relações de compadrio entre a
comunidade e as grandes famílias da máfia onde elas se integram, é fundamental
o papel da religião nestas relações e esta série mostra-o como nunca outra o
fez), político (sobretudo a nível de poder local) e económico (a “alma” do
negócio de toda a rede).
Nada daquilo que
vemos nesta primeira temporada parece ficção, porque sabemos que as
consequências de tudo o que assistimos em “Gomorra” já nos chegou pelas
notícias dos media, directamente do mundo real, em Nápoles, uma das cidades
mais perigosas do mundo.
Salvaguardada de
todos os clichés das séries americanas, esta série não se desenvolve unicamente
em torno de uma ou duas personagens principais, ou, um herói ou um vilão, pelo
contrário, explora ao máximo todas as personagens e com todas as suas
características. Também não perde tempo com falsos puritanismos e tudo o que
tiver que acontecer é mostrado sem censura – veja-se a sequência de imagens de
um dos rituais de confiança em que Ciro foi submetido e que envolve urina
“fresca” e um copo de champanhe.
“Gomorra” não se
limita a conquistar os fãs de todas boas séries de crime organizado ("The Wire" e
"Sopranos", são os óbvios exemplos), ela conquistará todos os telespectadores que gostam de
ser verdadeiramente surpreendidos.
Torna-se
incontornável falar de boas surpresas deste ano sem fazer qualquer referência a
“Fargo” (FX). Tal como “Gomorra”, projecto já repetido no grande ecrã, mas com
excelentes resultados na sua conversão para o formato (extensivo) televisivo.
Nada se perdeu,
tudo se transformou. E “Fargo” transformou-se num caso sério de criatividade,
onde uma rocambolesca história que envolve misteriosas mortes e um “inocente” e
domesticado agente de seguros, abala uma pacata cidade do estado do Minnesota
(EUA).
Ainda melhor que
toda a história e as interpretações (que são soberbas, convém dizê-lo), são
aqueles magníficos diálogos. Alternando entre o humor e o sarcasmo, eles também
realçam por ali a marca dos irmãos Coen neste novo projecto - desta vez como
produtores executivos.
As expectivas
continuam muito altas para segunda temporada, uma prequela, com novos crimes,
um novo casting e já com a confirmação das participações de Kirsten Dunst e Jesse
Plemons (Todd, de “Breaking Bad”).
Uma investigação
de várias mortes relacionadas com rituais satânicos, ligadas a uma complexa
teia de relacionamentos familiares e sociais que se prolongam por várias
gerações, pode ser um motivo mais que suficiente para uma série policial se
tornar cativante. No entanto, “True Detective” (HBO) oferece-nos muito mais.
Com duas das mais
fascinantes personagens da ficção americana dos últimos tempos e uma atmosfera
misteriosa e pré-apocalíptica, esta série conseguiu conquistar unanimemente o
público e a crítica.
Em TD parece
sempre haver algo mais do que nos está a ser revelado. Algo mais que uma
investigação e aqueles crimes. Algo mais que um serial killer. Algo mais para
além da realidade.
Há que estar
atento aos pormenores - a cor de uma casa, uma personagem aparentemente
insignificante, ... - e às mensagens que nos vão mandando para o presente.
Acerca dos
“ninhos do diabo”, uma pequena estrutura triangular de galhos atados uns aos
outros e que vai sendo encontrado em alguns locais estratégicos ao longo da
série, um reverendo diz que são histórias para entreter crianças. Nesse momento
é feito um “zoom” sobre uma cruz pregada na parede. Essa cruz é feita de duas
pequenas tábuas, unidas por um cordel...
Nada acontece
mesmo por acaso e os detectives Cohle e Hart (“coal” e “heart”, carvão e
coração – nem os seus nomes me parecem ter sido escolhidos ao acaso) são os
nossos guias até à trágica constatação de que o “homem é o mais cruel de todos
os animais”.
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