Seria capaz de ser interessante perceber a percentagem de casos de
perturbações mentais provocado, em qualquer cidadão comum, pelo
confronto entre as suas expectativas e a realidade.
Esse pode ser o leitmotiv do filme Aftersun, o "debut" de Charlotte Wells.
Nele somos testemunhas dos dias de férias partilhadas entre um pai e
uma filha na Turquia. Ao longo do filme, percebemos que a descontração
da sua relação contrasta fortemente com o transtorno emocional que o pai
vive interiormente.
Não vemos muitos sinais de uma
depressão, mas destaca-se uma cena fortíssima em que vemos essa
personagem a chorar compulsivamente, de costas para a câmera, sentado numa
cama, sozinho, no quarto do Hotel.
Tudo se
passa de uma forma ainda mais despercebida aos olhos da sua filha.
Ela passa pelo fase do início da adolescência, tem as suas próprias
"dores" de crescimento e algumas delas passam justamente por entender as
contradições da vida adulta: dois pais que dizem um ao outro que se
amam, mas que se separaram?
Cerca de 20 anos
depois, estas férias continuam no pensamento desta mulher, pois
provavelmente terão sido as últimas que passou com o seu pai.
O
trauma parece acompanhá-la ao longo de todos esses anos. Ela tenta
obter alguns sinais nas imagens de vídeo que o pai gravou durante essas
férias.
Para além deste auxiliar da memória, há um sonho constante em que se vê o pai, em transe, a dançar numa rave.
O
mais real que ela testemunhou desta natureza, foi na última noite
dessas férias quando o pai tentou convencê-la a ir dançar para junto
dele numa pequena festa ao ar livre no Hotel, onde estão hospedados.
O pai move-se energicamente ao som de "Under Pressure" e ela mantém-se inerte a assistir, enquanto se ouve o Freddie Mercury cantar:
(...) And love dares you to change our way of
Caring about ourselves
This is our last dance
This is our last dance
This is ourselves