sexta-feira, setembro 23, 2005

Amor de estimação II


Brokeback Mountain
“Acaba de caír um dos últimos bastiões heterossexuais no cinema, o western. O responsável é o realizador taiwanês Ang Lee (“A Tempestade de Gelo”, “O Tigre e Dagrão”) ...”

Assim começava o texto/crítica de Eurico de Barros (Diário de Notícias, 3/10/2005) por alturas do Festival de Veneza deste ano. O filme em questão chama-se “Brokeback Mountain” e acabou por ganhar o prémio máximo desse festival: o Leão de Ouro. Descrito pela crítica como o primeiro western gay, este filme conta uma história de amor homossexual entre dois cowboys no Estado de Wyoming, nos Estados Unidos, que tem início em 1963 e termina 20 anos depois e é protagonizado por Heath Ledger e Jake Gyllenhaal.
Trata-se de um filme que foge dos clichés habituais de películas com homossexuais e aprofunda a relação de dois homens aproximados pela solidão e pela natureza. Finalmente se fez um filme com homossexuais não estereótipado, sem ser um "histérico" manifesto gay ou a habitué história sobre a auto-repressão homossexual. Aleluia! Por outro lado, representa um desafio à figura do lendário e indomável vaqueiro “macho” americano, num local e numa altura em que se corria o risco de vida se tal sexualidade fosse revelada.

Por tudo isto e não é pouco, arrisco e digo: “Brokeback Mountain” é já um "amor de estimação", mesmo sem o ter visto e nem sequer ter estreia prevista (fala-se no final do ano para os EUA e no início do próximo para a Europa) nas salas de cinema.

"Trabalhei com o coração. O amor é igual para todos. Todos temos nossa Brokeback Mountain particular, um lugar para nos refugiarmos e encontrarmos o próprio passado". Ang Lee

segunda-feira, setembro 19, 2005

A ditadura do relativismo


A extrema-direita sempre existiu e se manifestou no nosso país, seja através de inexpressivos partidos ou associações, seja através de actos isolados tomados a cargo pelos “cabeças rapadas” ou por outras personagens menos indiscretas e menos mediáticas. No entanto, o que os destingue na actualidade é que se tornaram mais activos e, consequentemente, mais visíveis. Neste momento, e ao contrário do que acontecia há 20 anos atrás, dão a cara e mostram orgulhosamente os seus slogans. De certa forma, os seus objectivos primários estão a ser cumpridos e esta mediatização já ninguém lhes tira.

Se não houvesse nada mais criticável na sua luta, poder-nos-íamos limitar a hipocrisia da forma como ela é demonstrada. Vejamos o caso, da sua última manifestação realizada, ontem, no Parque Eduardo VII em Lisboa. Uma manifestação contra a cada vez maior visibilidade dos gays na sociedade actual e um tal “lobby gay”, mais especificamente junto dos meios de comunicação social (como se tal, de certa forma, pudesse converter toda a gente – nomeadamente as crianças, pois pelas palavras de ordem e respectivos cartazes, são elas a razão de todas as suas preocupações neste momento; é caso para perguntar: também servirão de justificação para o ataque que alguns desses senhores efectuaram no dia de 10 de Junho de 1995 no Bairro Alto que vitimou um imigrante cabo verdiano? - ao “homossexualismo”. E como travam tal digna batalha? Com visibilidade e mediatismo, pois então.

A estratégia é, aparentemente, simples mas pode ser perigosamente eficaz. Pega-se em diversos temas, uns amplamente condenáveis e de cariz popular outros nem tanto, mas todos no mínimo polémicos, tudo que irá “contra esta sistemática e intencional destruição dos valores e imposição da ditadura do relativismo”, mistura-se tudo e tenta-se estabelecer uma relação entre eles de forma a causar qualquer impacto junto das pessoas, nem que seja a perplexidade pela sua capacidade de imaginação. Utiliza-se o chavão da “insegurança nas nossas ruas e nas nossas praias” culpabilizando as minorias étnicas e a nossa política liberalista de imigração, usa-se o muito discutível tema da “adopção de crianças por casais homossexuais” e, como não podia deixar de ser, a pedofilia (sim? Dizem que cerca de 80% dos homossexuais são pedófilos, mesmo que depois não o consigam comprovar para além de um “li na internet”, como respondeu um dos manifestantes entrevistados num dos noticiários da SIC) para atacar os homossexuais em todas as frentes. Estes são só dois exemplos, mais se seguirão, pois irão continuar a usar quaisquer outros assuntos que sirvam de mote para restabelecer a ordem, não a nossa, a deles e dos seus ideais. Mesmo que tais palavras de ordem façam tudo, menos qualquer sentido.

Nada disto seria mais estúpido, nada disto seria mais assustador se não estivéssemos num país com uma larga percentagem de analfabetismo, moderadamente conservador, mediaticamente influenciável e pior do que tudo isto: com memória curta.