sábado, junho 12, 2010

Cronenberg

O “grande público” nunca amou os filmes de David Cronenberg (DC) porque ele nunca foi realizador para estipular limites no acasalamento entre o bizarro e o real ou porque fazia questão em revelar despiedosamente as obsessões dos seus personagens, por mais esquivas ou identificáveis que elas fossem – e quanto mais identificável que possa ser uma obsessão, mais repúdio ela transmite. Hoje, o "grande público" continua a não amar os filmes de DC mas por razões diferentes, pois as suas obras também são diferentes. Apesar de se basear em histórias mais comuns, há uma ênfase sobre o lado perverso das suas personagens e um lado menos convencional das suas relações e que desilude quem espera que, por exemplo, a relação entre Nicolai e Anna, em Promessas Perigosas, fosse muito mais além que aquele magnífico mas fugaz beijo final - um beijo de passagem, como aliás se define a relação deles ao longo do filme. Há finais felizes, mas tal não significa que o sinónimo de felicidade do espectador esteja em sintonia com o do argumento.

Este realizador canadiano, actualmente, pode fazer filmes que traçam tangentes ao mainstream mas nunca deixa-os isentos da sua marca própria. Portanto, até podemos já não estar perante o tal “cinema de autor” de outros tempos, mas a essência está lá. É uma questão de estar atentos aos pormenores.
Vejamos o caso do corpo humano: em constante mutação (A mosca, M. Butterfly, Festim Nu), a servir de base de uma consola de um jogo surreal (eXistenz), em confronto com o audiovisual (Videodrome), a revelar outras formas de desejo (Crash), meio de comunicação através de tatuagens (Promessas Perigosas), entre outros exemplos de como ele pode ser um dos elos de ligação de grande parte da obra cinematográfica de DC.
A chave também está na forma como ele se debruça sobre os segredos dos relacionamentos aparentemente comuns. As histórias são cada vez mais convencionais, interpretadas por personagens, (uma vez mais) aparentemente, convencionais. Mas como todos bem sabem, as aparências iludem. E a realidade é esta: não há ninguém superior a Cronenberg a filmar tais “ilusões”.

Está neste momento a filmar “A Dangerous Method”. Do pouco que se sabe desta sua última obra é que volta a contar, pela terceira vez consecutiva, com Viggo Mortensen e que este é... Sigmund Freud. Já não me devia surpreender. Sobretudo depois de já ter visto o lado mais obscuro de um chefe de família exemplar (Uma história de violência) e a faceta mais sensível e humana de um carrasco de uma família de mafiosos russos (Promessas Perigosas). Nada é previsivelmente delineado no cinema de DC e também é isso que o torna perturbador, realista e tão interessante.

1 comentário:

O Puto disse...

De uma forma geral, gosto de todas as fases do Cronenberg. Há sempre estranheza mas também há sempre estímulo. Ele não chega ao grande público" porque há muitas pessoas que não respondem a esse estímulo.