domingo, maio 20, 2012

Fim-de-semana alternativo



Às vezes basta um segundo para mudar a vida de uma pessoa. Mas um fim-de-semana pode ser o espaço temporal suficiente para amadurecer essa mudança.

A vida de um rapaz citadino muda radicalmente numa sexta-feira, igual a todas as outras sextas-feiras: chega do trabalho, inicia o ritual de preparação para uma saída nocturna, segue-se um jantar na casa dos amigos e, por fim, uma ida a um bar. Conhece um gajo no bar e acabam na cama. E depois começam as interrogações (este filme está cheio delas) que se pode resumir numa: o que significou aquela noite para cada um dos seus intervenientes?

É um erro limitar “Weekend”, do semi-estreante Andrew Haigh, à categoria de “filmes gay”. Este filme é um fiel (e cruel) retrato do lado descartável das relações urbanas dos dias de hoje, sejam elas gay ou hetero. Aliás, a provar isso, há uma muito interessante cena no final da sequência da “manhã seguinte”, enquanto os rapazes, em fase de despedida, trocam números de telemóvel, no apartamento ao lado está a acontecer mais ou menos o mesmo, entre um rapaz e uma rapariga:
- Did you have a good time last night?
- Last night was sweet, yeah.

“Weekend” não é uma versão moderna ou urbana de “Brokeback Mountan”. Nem nunca pretende o ser. Aqui ambas as personagens - com as suas particularidades - estão perfeitamente conscientes da sua orientação sexual - se bem que isso não significa que estejam integradas num meio social envolvente menos hostil que o retratado no filme de Ang Lee. Ambos os filmes são muito realistas nesse sentido, mas “Weekend” é ainda mais, pois facilmente identificamos cada uma daquelas personagens secundárias do filme: o melhor amigo que consegue descobrir (só observando a nossa forma de estarmos com os outros) que estamos com um problema e que fará tudo para nos desenrascar, o gingão que gosta de contar piadas homofóbicas em locais públicos, de preferência, com as amigas por perto, e o outro que conta todos os detalhes do seu último engate de circunstância aos amigos, ou a amiga confidente que aprecia os pormenores mais sórdidos dos encontros dos outros, etc.

O filme aborda de uma forma muito simples o mistério da atracção sexual e das suas consequências. Parece algo pouco inédito, mas a verdade é que não conheço muitos outros filmes que tenham explorado tão bem e tão eficazmente o campo de atracção entre dois seres estranhos e as suas diferenças.

“Weekend” também roça tecnicamente a perfeição. O realizador/argumentista tomou a opção certa ao não ceder pela tentação voyeurista de querer mostrar tudo o que se passou na primeira noite, quando tudo começou, e preferiu transformar essas imagens em palavras, colocando-as na boca dos seus dois actores principais – que são fantásticos nos seus diálogos aparentemente improvisados.
O filme é muito emocional, mas Andrew Haigh nunca se recorre à música para o tornar hollywoodesco e lamechas. Nesse sentido, só com base em silêncios, gestos e palavras o filme eleva-se a um patamar superior.
Uma nota final para alguns soberbos planos fixos da paisagem urbana, quase sempre deserta. Parece querer simbolizar o tipo de solidão tão típico das zonas de grande concentração populacional urbana e suburbana.

Se apesar de tudo isto ainda não encontrarmos razões suficientes para considerar este pequeno e independente filme britânico uma preciosidade, que pelo menos tiremos qualquer coisa desta lição: temos mesmo que falar sobre a noite anterior, para saber como vamos estar amanhã.  

1 comentário:

agent disse...

Só um milagre fará este filme passar pelo circuito comercial português. Por isso, para quem estiver interessado em vê-lo, ou faz a encomenda online do DVD ou vai aqui:
http://sonatapremiere.blogspot.pt/2012/04/fim-de-semana.html
(com os devidos agradecimentos ao blogger Lamash!)