quarta-feira, abril 01, 2009

Uma experiência de vida

Ricardo (nome fictício, “as usual”) é, entre muitas outras coisas, ex-toxicodependente. Não que esta característica lhe seja visível, que conste no seu B.I. ou do seu curriculum vitae. Mas é inegável que seja um marco na vida de uma pessoa e que possa dizer muito da sua personalidade.
As causas da toxicodependência podem não ser muito bem definidas ou serem uma miscelânea de probabilidades. Geralmente andam à volta do distúrbio de personalidade, seja ele causado por uma baixa auto-estima e assertividade, seja ele provocado por uma necessidade de aprovação social, pela incapacidade de assumir valores e de ter opiniões próprias com alguma autoconfiança. Mas o Ricardo fala-me exclusivamente em “medo da solidão”, o que até nem contraria qualquer uma das causas anteriormente mencionadas, mas não deixa de ser uma expressão curiosa. As drogas duras acabaram por fazer-lhe companhia cerca de 8 anos da sua vida.
Até no início foi uma pessoa atípica: não foi influenciado por amigos, as drogas entraram no corpo, conscientemente, de sua livre vontade. Saiu da casa dos pais, mas não viveu na rua, não roubou, não se prostituiu, portanto, não se refugiou nas habituais formas de obter dinheiro fácil para adquirir as doses. Gostava de conduzir e conhecia razoavelmente as artérias de Lisboa, juntando o necessário ao agradável: foi taxista!
Mesmo nestes tempos a família não desistiu dele. Procuravam-no, achavam-no, reconciliavam-se, ele prometia curar-se. Pura ilusão. Mesmo afastando-se fisicamente da grande cidade, a sua mente continuava lá e sempre que podia lá voltava. Reencontrava os amigos e o resto vinha por acréscimo. Foi um período frustrante. E para quem não tolera a frustração, as gratificações imediatas são imprescindíveis, sem avaliar as possíveis consequências negativas das mesmas a prazo, o que funciona como uma poderosa motivação para a reiniciar o consumo de drogas. Assim aconteceu com Ricardo. Até ao dia em que perdeu, para sempre, o seu irmão e o seu pai. Foi o momento chave que o fez despertar para a vida. E aquilo que tinha, naquele momento, era tudo menos isso.
Foi para um centro de recuperação com vontade e força suficiente para se curar. E conseguiu. Conseguiu muito mais que se curar da dependência. Fez as pazes com a família que lhe sobrou e com os verdadeiros amigos, assumiu, perante si e os que o rodeavam, a sua homossexualidade e encontrou a sua verdadeira aptidão profissional. Começou a ter desejos e objectivos. Porque sair de um centro de internamento e a ausência de consumo por si só não fazem a cura da doença. O restabelecimento social é imprescindível para que tal aconteça.

A frustração existe todos os dias para todas as pessoas, mas a maioria "encaixa" a dor e segue em frente à conquista ou à espera de melhores dias. Infelizmente, há sempre uma minoria que tem uma atitude intransigente não suportando viver a frustração momentânea, não lhes servindo de forma alguma a suposição de que o futuro será melhor se combaterem por ele. Um exemplo disso tudo só pode ser esta experiência de vida. E não me podia sentir mais feliz e orgulhoso pelo Ricardo fazer parte da minha.

3 comentários:

Menina disse...

Bonita história de força.
Motivante.

Bjs
Lince

Cláudia Abreu Antunes disse...

Clap hands!!
Sinto-me feliz, para que conste ;)

O Puto disse...

Bonito e exemplar.