You are what you pretend to be, so be careful what you pretend to be.
Kurt Vonnegut, “Mother Night”
“The Butch Factor” (TBF) tanto pode ser quase hora e meia de documentário a desmantelar um estereótipo, ou uns limitados 87 minutos de documentário onde se explora o tema da masculinidade, sobretudo da sua “complicada” relação com os (homens) homossexuais.
No momento em que pouco sabia sobre ele, pensava que este TBF viesse demonstrar o que toda a gente já sabe: que a homossexualidade masculina não se resume a um determinado grupo de homens com determinadas características comportamentais estereotipadas. Para tal, este filme, contrabalançava com um ou mais grupos de homens com outras características comportamentais estereotipadas.
Por acaso até é justamente assim que o documentário começa. Há várias entrevistas com homens com o tal factor extra de masculinidade, a saber: jogadores de rugby, de baseball, de futebol americano (um deles fez questão de partilhar igualmente a sua profissão principal: construtor civil, voilà), um guarda prisional e vários cowboys (os homens americanos viris por excelência não podiam faltar). Os seus testemunhos giram à volta das dificuldades (ou nem por isso) na aceitação da sua orientação sexual e da forma como ela influenciou (ou não) a sua forma de vida.
Tenho alguma dificuldade em acreditar na veracidade de alguns subprodutos culturais norte-americanos e ao ver estas entrevistas fico com uma certa ideia de um “machismo” pouco realista, quase teatral. Mas independentemente da qualidade do documentário, o que interessa saber mesmo é se debruçamo-nos sobre uma característica inata? Não e mais adiante explicarei porquê.
Os gays reforçam a sua masculinidade, como uma forma de identificação, integração ou resposta a uma ideia preconcebida, com a mesma naturalidade com que os heterossexuais aprendem a ser - e a saber reforçar igualmente a "dose" – masculinos, observando e copiando outros modelos masculinos. Numa outra vertente, da mesma forma que os homens mais efeminados, por uma questão de provocação ou outra, reforçam o seu maneirismo. Tudo isto se deve a uma teoria: a masculinidade (e o seu antónimo), mais que um dado biológico, é uma construção ideológica.
Há uma mensagem curiosa que subliminarmente o documentário pretende passar - algo que é justamente o oposto do lema do comum das relações: “os opostos atraem-se” – estes homens “hiper-masculinos” abordados em TBF são assim, pois atraem-se (e são atraídos) por homens com as mesmas características, ou seja, parece haver aqui uma regra básica de atracção: a melhor maneira de conseguir o homem que quer, é SER o homem que quer.
O documentário, para cada um dos principais e recentes grupos instituídos à margem de uma comunidade gay cada vez mais diversificada, pretende justificar as suas causas. Portanto, a “revolução dos músculos” é sobretudo uma reacção adversa à imagem que a comunicação social mostrou do homossexual dos anos 80: o andrógino ou o debilitado pela infecção do HIV/Sida. E a recente mediatização dos “Ursos”? O movimento gay “Bear” pretendeu desde sempre ser a imagem mais realística e possível da masculinidade em estado de graça: um homem rude, de barba a crescer, peludo qb, ligeira ou totalmente descuidado com o seu físico - ao mesmo tempo que o mostra despreocupada e (quase, diria) orgulhosamente.
“What needs a man to be a man?”
A masculinidade não é um conceito fixo. A masculinidade evoluiu ao longo do tempo, mas mesmo no presente ela é variável por classes, raças, localizações, idades, etc., logo está sobretudo dependente daquilo que a cultura - onde ela está inserida - permite. Qual é o ocidental que não se surpreende com o facto de, no médio oriente, dois homens passearem na rua de mãos dadas ser um acto normalíssimo? E no Tahiti? Onde um homem para ser masculino, tem que ser obrigatoriamente terno e doce, convivendo e confundindo-se pacificamente com o sexo oposto. O que sucede então com esse mito da agressividade natural dos homens?
A grande questão não é saber se o Rambo, um ficcional herói de tantos jovens, é mais viril que o homem taitiano. A grande questão é saber qual é o que se aproxima mais dessa naturalidade, da sua natureza, que é o mesmo que dizer: o que sofreu uma menor pressão por parte do ambiente que o rodeia e da educação que teve. Em suma: o que recalcou menos uma parte de si próprio.
A masculinidade e a feminilidade, portanto, não são só categorias biologicamente opostas, são, antes de mais, uma posição, um lugar na sociedade, um papel cultural. Para um homem ser homem não lhe basta ter a fórmula de cromossomas XY, ter a dose certa de testerona e ter um pénis funcional, ele precisa de superar uma série de provações e são justamente estas demonstrações que - diferem segundo os países, as épocas, as classes sociais, as raças, a idade, etc. - caracterizam a masculinidade de um indivíduo. São justamente estes testes de virilidade que fazem toda a diferença e podem explicar porque a masculinidade de um homem é mais frequentemente posta em causa que a feminilidade de uma mulher. Seria um exercício, no mínimo, espirituoso saber que actividades dariam credibilidade à feminilidade de umas "super-mulheres"? “Não sejas gajo e levanta-me esses pés neste exercício de step? Não és mulher não és nada se não fizeres este desenho em ponto-cruz em vinte minutos? És uma sapatona ou uma boa pedicure?”...
Os excessos forçados de masculinidade (ou de feminilidade), sendo eles baseados no reflexo da sua própria interpretação de masculinidade (ou de feminilidade), curiosos ou burlescos, não trazem grandes males ao mundo – podendo, no entanto, trazer ao próprio, ao aumentar a tal distância entre aquilo que se é e aquilo que se pretende ser... Certa lacuna na sinceridade, portanto.
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