quarta-feira, junho 22, 2011

Eu sobrevivi ao SNS!


Nas próximas linhas tento descrever a minha mais recente aventura em pleno Serviço Nacional de Saúde.
Acedendo ao pedido de minha mãe, acompanhei-a a uma consulta ao URAP - Centro Oftalmológico de Lisboa no início desta semana. Facilmente localizei o edifício de oito andares onde está inserido o referido "Centro", pois apesar de passarem pouco minutos depois das oito da manha, já se concentrava junto a ele uma fila de pessoas que ultrapassava aquele quarteirão. Mais próximo do horário de abertura do edifício (8:30) aparece o segurança que começou a questionar se "é para oftalmologia?", e se a resposta fosse afirmativa entregava uma senha numerada. A minha mãe foi "sorteada" com a senha 10!? Portanto, deduzimos, tínhamos 110 pessoas à nossa frente. Isto dá uma boa noção do número de pacientes e acompanhantes que minutos depois acotovelavam-se junto a dois elevadores com capacidade limitada a 6 pessoas cada. Tinha alguma esperança que parte desta aglomeração se dispersasse pelos vários andares do edifício - os primeiros são ocupados pela especialidade de Dermatologia - mas ao chegar ao 5º andar, a desilusão não podia ser maior: uma sala de espera repleta de pessoas, os lugares sentados já totalmente ocupados e o pouco espaço livre disponível (em pé) só se encontrava junto ao balcão, que uma das empregadas que se encontrava por trás deste, fazia questão em manter: "Ao pé do balcão só fica quem eu chamar pela senha!" (ouvia-se de tempos em tempos).

A hora de ponta deste serviço era contínua, pois o número de pessoas que iam sendo vagarosamente despachadas por uma funcionária que ia confirmando (com cada uma das chamadas) a morada, o contacto telefónico, etc, estava muito longe de alcançar o número de novos pacientes que chegavam a este piso e que retiravam senha. Um determinado momento foi especialmente atribulado e até algo cómico, quando a senhora chamou um número e surgem no balcão dois pacientes com uma senha idêntica, só a letra inicial as distinguia - logo, um deles teve que esperar mais um pouco (100 pacientes) para ser atendido!
A espera foi longa até ao momento em que surge em cena uma nova funcionária a queixar-se (às duas colegas que estavam no balcão) de que uma das médicas do "7º piso" já se lamentava de estar parada à espera de pacientes... Investindo na sua destreza quase soberana, vira-se para o "povo" e pede: "Quero cinco pessoas isentas para consultas de oftalmologia já aqui depressa ao pé de mim!". E a confusão voltou a instalar-se naquela sala de espera que ainda transbordava (im)pacientes por todos os lados. O lado positivo deste episódio é que vagou alguns lugares (das pessoas que subitamente assaltaram o balcão) e finalmente consegui sentar-me. Conferi o relógio: eram 12:28. Parece que a prova de resistência física foi superada. Já a psicológica não tinha tantas certezas...

Algumas senhas depois, finalmente ouvimos o número correspondente à senha da minha mãe. Ela deslocou-se logo ao balcão. Acabei por fazer o mesmo assim que a funcionaria lhe diz: "O Dr. Henrique não está… Portanto vai ter que ir ao 7º piso… Para marcar nova consulta." Ainda calmo questionei: "E estiveram à espera que chegasse a vez da minha mãe para lhe dar a novidade?". Mesmo continuando sem repostas, não desisti das perguntas: "Para que fazem tanta questão em pedir e confirmar contactos telefónicos se não os usam?". A confusão continuava a imperar naquele local e percebi, nesse momento, que a minha exaltação não teria quaisquer efeitos práticos.
Subimos ao 7º andar. Nova sala de espera, esta praticamente vazia. Num canto, junto a uma mesa, encontrava-se uma funcionária que, por entre dúvidas de pacientes e apelos dos médicos, tentava encontrar alguma ordem nos seus papéis. Passados alguns minutos conseguimos obter a sua atenção e o diálogo que se seguiu foi o seguinte:

- Diga!
- A minha mãe tinha uma consulta marcada hoje... Para o Dr. Henrique…
- O Dr. Henrique não veio!
- Já sei.
- Então e o que quer que lhe faça? - Estas palavras ipsis verbis.
- Que alguém tivesse nos avisado? Não evitava uma viagem de mais de 100 Km mas pelo menos não se perdia mais de 4 horas de espera...
- Não fazemos isso! O Senhor Doutor tem poucos pacientes…
- Mais uma razão para nos ter avisado. Enfim… Parece que nos resta uma nova marcação… Pode ser?
- Pode. Deixe-me aqui ver…
Entretanto pega numa agenda, salta várias paginas e…
- Dia 20 de Setembro, oito e meia... Quinto piso.

Por mais estranho que deva parecer, quando alguém acede a um serviço público gratuito (ou semi-gratuito) de saúde já vai minimamente consciente dos obstáculos que vai encontrar. Deve ser essa a razão que leva as pessoas a acomodarem-se perante tanta incompetência e, pior, falta de respeito. No entanto, o sentimento de derrotismo e a infinita tristeza estampada nas caras dos idosos que passam por estes suplícios são a melhor prova de que algo está a falhar. Perante os infinitos números das listas de espera, parece que sobra muito pouco tempo para uma organização mais eficiente deste Serviço Nacional de Saúde, quanto mais para pensar na dignidade da pessoa humana.

2 comentários:

Maria Lopes disse...

O que descreve é a realidade. Não só a eterna falta de educação das funcionárias, a ausência de médicos, a péssima acessibilidade para os utentes. Já passei por essa situação, mas como resolvi qu assumir o papel de "chata mais chata, não há", pedi o livro de reclamações e obriguei duas funcionárias a identificarem-se, bem como o segurança que foi chamado para me impedir de solicitar o respectivo livro. Estranhamente no dia a seguir o médico já tinha espacço para me atender...Maria Lopes

agent disse...

Fez muito bem, Maria. Mal fiz eu por não ter feito o mesmo. A impaciência já era tanta, que a minha única prioridade era sair dali. Mas, no mínimo, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) não irá deixar de saber o que se passou.