The Monogamy Gap - Men, Love, and the Reality of Cheating, de Eric Anderson
(Oxford University Press)
Por vezes ponho-me a pensar se alguns daqueles objectivos e metas pessoais que assolam todo o jovem quando atinge uma tal suposta maturidade, não passam de desnecessárias expectativas sociais. O casamento é uma delas. Por arrasto, a monogamia é outra.
Monogamy Gap: ser social vs. ser sexual
Um dos grandes conflitos internos de grande parte dos homens e mulheres dos dias de hoje passa pelo que muitos autores, incluindo Eric Anderson, chamam de “monogamy gap”, que eu interpreto pela disparidade e conflito entre a nossa vontade pública de portarmo-nos como seres monogâmicos e os nossos desejos mais privados irem por outros caminhos, seguindo uma vida sexual mais livre e plural. É verdade que há quem consiga combinar ambas as vias, mas dificilmente conseguirá fazê-lo sem deixar de magoar alguém com quem se “monogamicamente” comprometeu. Mesmo assim há quem prefira arriscar e continuar a viver na ilusão de que nunca será descoberto. Tal como, do outro lado da barricada, haverá quem, ainda que conhecendo a tendência promiscua do(a) parceiro(a), ache que conseguirá um dia mudar-lhe essa faceta da sua personalidade. Como disse, ilusões.
Animais racionais e muito sexuais
A monogamia é um assunto muito sensível tanto do ponto de vista biológico como sociológico.
Fazemos parte da natureza e a esta é tudo menos monogâmica e se é verdade que a nossa “biologia” predispõe ambos os sexos para a variedade sexual, também não é menos verdade que algumas das melhores coisas em que nos envolvemos vão contra os nossos instintos. É esta grande capacidade racional que nos distingue dos outros animais e faz qualquer comparação com eles parecer descabida.
Aliás, usar exemplos do reino animal para justificar ou defender certos comportamentos humanos é montar e cair na nossa própria armadilha. “Se os macacos são promiscuos, como é que podem esperar que eu seja fiel?”. Há animais que matam outros só para defender o seu território, podemos passar a defender o homicídio?
Há inúmeras provas de que nós somos mais inteligentes que qualquer outro animal e temos essa capacidade de nos envolvermos de uma forma extraordinária e a longo prazo com um único ser. Mas a grande dúvida é se os nossos instintos básicos acompanham essa opção, nunca esquecendo dois pressupostos: ignorar a compulsão não a faz desaparecer e a ocasião faz a oportunidade.
Do affair ao recreational sex
Portanto somos um outro tipo de animal, mais evoluído, mais inteligente, ao ponto de estar habilitado de fazer certas escolhas. Só que para muita gente a monogamia nem sequer é um escolha, é uma imposição (social), o que depois torna mais óbvia a escolha consequente: a infidelidade – que é, diga-se de passagem, das escolhas mais egoístas que temos à nossa disposição. Depois diz-se: escolheste, agora assume as consequências dessa escolha.
Em todo o tipo de relacionamentos pode haver pelo menos um elemento que revela o seu egoísmo. Acontece em muitos casos em que um elemento do casal pede mais tolerância face a um ocasional “deslize”, mas se este é confrontado com a hipótese de acontecer à outra parte, ele actuará dessa forma tão tolerante? Pode-se concluir que numa perspectiva pessoal, uma infidelidade é “só sexo”, “só físico”, quando aplicado ao outro, passa a ser algo mais complexo, sobretudo, emocional. (Pelo que me tem sido dado a conhecer, os homens têm muito mais facilidade em fazer esta separação que as mulheres.)
Isto leva-nos a uma das outras dúvidas muito comuns: o sexo recreativo é mais desculpabilizável que um “on-going affair” porque o amor continua? Se consentido pela outra parte, nada a acrescentar, siga para bingo: há inúmeras formas de sermos felizes com os outros. Se desconhecido: é possível (simultaneamente) amar e desrespeitar a mesma pessoa? É um desrespeito que chega a ser perigoso, porque numa relação extraconjugal, além da confiança, também se coloca em jogo algo tão importante como a saúde do parceiro traído.
Uma espécie monogâmica tão hipersexual
O homo sapiens sempre se revelou poligâmico mas, ao longo dos séculos, a evolução humana foi marcada por processos sociais de adaptação ao meio envolvente. Com a sedentarização, criou-se o núcleo familiar, no sentido mais restritivo de como o conhecemos hoje. Assim nasce a monogamia, que a religião se incumbiu de vigiar, tomando conta da consciência dos seus fiéis e de lhes “vender” o pecado “mortal” por excelência: o adultério.
A realidade é que somos seres humanos todos diferentes e, ao contrário do que se pensa comummente desde aqueles tempos, a monogamia é o modelo que menos funciona para grande parte dos cidadãos deste mundo. Não há prova mais realista disso do que o facto de mais de metade dos divórcios dos dias de hoje se deverem a infidelidades.
A outra realidade é que há casos de sucesso em relações poliamorosas e isso explica-se pelo facto destas regerem-se por princípios mais saudáveis e menos castradores. São relações que estão devidamente assentes nos pilares da honestidade e da responsabilidade: a sinceridade total entre os parceiros e a obrigatoriedade da prática de sexo seguro nas relações extra-conjugais. A questão é que muito pouca gente está predisposta a aceitar estas regras e há quem só as aceite devido a factores de ordem social ou, diria, do politicamente correcto: “acabar com um casamento historicamente rico e com muito amor, com os filhos pelo meio, por causa de umas quecas por fora?”. É esta a principal limitação de algum tipo de relações abertas: a hipocrisia. Ou seja, a maior parte das vezes vive-se em função do sexo, mas raramente se admite a sua importância para a estabilidade conjugal. Parece que o fundamental passa por manter sempre uma boa imagem social, o que depois na prática, torna este modelo não assim tão diferente de muitos outros onde vigoram relações menos liberais – enfim, um erro colossal.
Parece que não há modelos perfeitos. Mas há e, para grande surpresa destes novos pseudo-cientistas, até podem ser monogâmicos, lá está, basta pensar bem naquilo que verdadeiramente desejamos, fazer conscientemente a nossa própria escolha e viver em função dela.
A chave de qualquer relacionamento, mais que o auto-controlo e honrar as cláusulas explícitas e implícitas de um compromisso, é só uma: comunicação bilateral com total sinceridade.
Acredito que o futuro dos relacionamentos devia passar pela coragem de expressarmos os nossos sentimentos e seguir sempre os nossos desejos. Só assim conseguiremos ultrapassar a barreira do politicamente correcto que a sociedade parece querer nos impor, e que nem sempre nos traz aquela felicidade e a estabilidade apregoadas.