terça-feira, outubro 23, 2007

O último tabu


Da tragédia do Darfour, ao diário emocionante de um seropositivo. Das vidas das meninas de rua de Cairo, às condições dos prisioneiros palestinianos nas prisões israelitas. Todos estes e mais alguns são temas interessantes que me poderiam levar a Lisboa a ver um documentário. No entanto, o único filme que ainda vi (e se a minha disponibilidade nos próximos dias não melhorar, diria antes, que irei ver) da edição deste ano do DocLisboa, chama-se “Zoo”. Por ser dos poucos documentários de exibição única, fiquei a pensar que tal deve-se ao facto de abordar um assunto pouco popular. Garantidamente será, pelo menos, muito incómodo.

Em Julho de 2005 é, anonimamente, deixado às portas do Hospital de Enumclaw, uma pequena cidade do estado de Washington nos Estados Unidos, um homem, com pouco mais de 40 anos, inanimado. Pouco tempo depois veio-se descobrir o seu nome (Kenneth Pinyan) e de que, para além de ser um chefe de família de Seattle (!), era um respeitado engenheiro da Boeing. Depois de uma intervenção cirúrgica, soube-se também que não conseguiu escapar com vida das intensas hemorragias internas provocadas pelo rompimento do cólon. A polícia foi chamada a intervir no caso e esta conseguiu descobrir com alguma facilidade não só a causa da morte, como também onde tudo aconteceu: uma quinta localizada nos arredores daquela cidade. Neste local foram apreendidas várias cassetes de vídeo que continham imagens de, entre outras pessoas, Pinyan a praticar sexo com cavalos. Foi não só o grande choque generalizado de uma pacata cidade mas de todo um país puritano e conservador, onde este tipo de episódios perversos já começa a fazer parte do quotidiano.
“Zoo” aborda esta história em várias perspectivas. Na perspectiva da investigação, dos “colegas” de Kenneth Pinyan que não se mostram mas que contribuem para a narração de algumas partes deste documentário e da própria instituição que recolheu os cavalos após a desmantelamento do grupo que Pinyan fazia parte. O “caso”, para além de todo o mediatismo que provocou, do choque e consequentes piadas que se fizeram – um dos instintos naturais do ser humano é encarar humoristicamente todos os assuntos que não compreende ou que lhe são desconfortáveis - nunca foi abordado de uma forma séria como o é neste filme/documentário. Aliás, não consigo dar outro exemplo de um filme onde a zoofilia seja focada tão seriamente. Séria e humanamente. Porque é isso que nos choca: um dos perpetuadores deste bizarro acto ser humano.
Em “Zoo” não há imagens chocantes (antes pelo o contrário, veja-se aquelas magníficas paisagens naturais de Enumclaw), há ideias chocantes! A Zoofilia é desmascarada como um dos últimos tabus do lado mais perverso da sexualidade humana. Ao fazer este documentário, o seu realizador não pede para a aceitar, mas de certa forma tenta pedir a nossa compeensão. Não é por acaso que “Zoo” tem o curioso subtítulo: “In the Forest There is a Every Kind of Bird” (“Na floresta há todo o tipo de aves”).

Não é mentira que a moralidade é um conceito muito subjectivo e que actos destes devem ser bem analisados, mas na minha opinião não se pode deixar de os condenar. Não nos devemos esquecer sobretudo que também há por aí “outro” animal no “jogo”. Mas a mais importante lição desta história deve ser retirada pela sua perversidade: há seres humanos (aparentemente) comuns que só conseguem retirar prazer das formas mais incomuns e bizarras possíveis (e até diria, impossíveis). E neste momento a internet é o meio essencial para que estas pessoas consigam se juntar - a identificação social é fundamental para qualquer fenómeno transgressor crescer - trocar ideias e formas de concretizar os seus actos. Aliás, como acontece, há muito mais tempo, com a pedofilia.

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