quarta-feira, maio 25, 2011

Ver para além do choque


Qualquer filme de Gaspar Noé pode ser comparável a um percurso de montanha russa, tanto visual como sentimentalmente. Enter the Void, filme de 2009 que nunca chegou a ter estreia comercial por cá, deve ser o melhor exemplo disso.
A simples e comovente história de amor incondicional entre dois irmãos é subitamente transformada numa viagem transcendental post-mortem (do irmão que morre) pelo mundo underground de Tóquio. Noé filma tudo isto de uma forma brilhante através de travellings pelas ruas e algumas casas de "animação nocturna" daquela cidade com a sua irreverente câmara, fazendo com que este filme seja (sobretudo) uma grande experiência visual.

Mas não é perfeito. As luzes intensas e fixas são exageradas (o strobe até funciona muito bem), as repetições em algumas cenas também, excluimos isto e ficamos com, talvez, menos uma hora de filme (ele, na sua versão original, vai para além das 2 horas e meia) e com uma obra bem mais consistente, menos psicadélica, mais saudável - poupam-se uma ou duas dioptrias por cada olho.
Ok, contem também com algumas imagens chocantes - se bem que, segundo o meu "chocómetro", nenhuma delas ultrapassa a cena da violação do seu filme anterior, Irreversible, e este pôde ser visto em qualquer lado, inclusivé na TV - daí a "mega" censura a que foi alvo.



Facilitaria bastante se a qualidade técnica e artística dos filmes onde se revela imagens (ou ideias) muito chocantes fosse péssima: arrasava-se e, pronto, fim da opinião! Mas não é o caso da cinematografia de Gaspar Noé, como não é o caso, para dar um exemplo ainda mais extremista, de Srpski Film (tradução inglesa: "A Serbian Film"). Por aqui a irrepreensível técnica de edição, a qualidade da fotografia e da iluminação, a atipicidade de um inteligente argumento que resume metaforicamente num filme, com cenas hardcore de infinito escalão, o estado sócio-cultural de uma nação europeia, contrastam fortemente com a crueldade de algumas imagens que assaltam subitamente o ecrã e o nosso espírito.
Há imagens que é preferível deixá-las fechadas a sete chaves no nosso subconsciente, não há? - pois também há realizadores que não se intimidam em mostrá-las.
Portanto é normal que não se consiga ver algo mais para além do chocante. E isso é bom e é mau. Ou melhor: Srpski Film é um bom filme? É um óptimo filme. Recomendá-lo-ia a alguém? Jamais, fujam dele!

1 comentário:

O Puto disse...

Consegui ver "A Serbian Film" ao Fantas e foi dos poucos que conseguiu calar a audiência, habituada a exclamar e a rir durante os filmes.